Verdade seja dita, eu sempre quis estudar a dra. Scylla Prata; desde os tempos em que eu era estagiária do museu e ficava admirando o seu casarão antigo na esquina de baixo. Naquela época, eu já imaginava o quão desafiadora era a carreira de uma mulher que ousava em se formar médica em tempos tão hostis ao público feminino. Pois bem, passaram-se quinze anos, a dra. completou seus 100 anos e o convite apareceu: estudar o centenário da dra. Scylla. Por meio do Instituto Sociocultural do Hospital de Amor, fui convidada a assinar a curadoria da exposição histórica e biográfica “Scylla: centenário de amor”, experiência especial na carreira dessa historiadora que se viu desafiada a sair da zona de conforto da escrita e partir rumo ao universo expográfico.

Uma vez aceito o desafio, passei meses mergulhada no acervo de fotografias, documentos, jornais e objetos que a dra. Scylla reuniu durante toda sua vida. No silêncio da biblioteca daquela casa que eu tanto apreciava, saiam vozes dos livros, rostos das fotografias encantonadas e surpresas das cartas escritas em letras trêmulas. Descobri objetos em fundo de gavetas, histórias guardadas em prateleiras, personagens desconhecidos e memórias surpreendentes reveladas por familiares e amigos. 

Junto a uma equipe de profissionais de excelência, que envolviam as áreas de museologia, arquivo, restauro, comunicação audiovisual, design gráfico, produção e montagem, trabalhamos para entregar quatro produtos à comunidade: a exposição, o catálogo, o site e a webserie (dez episódios emocionantes). Em especial, a exposição compõe mais de 150 fotografias e 70 objetos, dentre os quais chama a atenção o vestido de noiva da doutora, de 76 anos. A exposição segue no Ircad até o dia 28 de fevereiro.

Para além das fotografias e objetos, o que mais me surpreendeu foi a história em si, onde a dra. Scylla, junto ao seu conhecimento científico, força de trabalho e compromisso íntimo com a fé, fundou e ajudou a manter um dos maiores hospitais do país – tudo isso aqui, no nosso quintal chamado Barretos. 

PROFª ESP. KARLA ARMANI MEDEIROS, historiadora, professora de História e titular da cadeira 7 da ABC – www.karlaarmani.blogspot.com / @profkarlaarmani