A medicina também – não apenas a religião – deve ser vista, antes de tudo, como fome e sede de justiça? A questão é igualmente oportuna na realidade barretense, porque se o todo ser humano clama por comer e beber, por que ver do modo diferente suas necessidades de saúde e atendimento? Afinal, não se faz justiça em tribunal humano tão somente, com decisão baseada em bom senso e equilíbrio, como também não é suficiente hospital com tecnologia e leitos para garantir “cura e libertação”.

A homenagem hoje ao dr. Gilberto Colli com o Troféu Dom José de Matos Pereira amplia a reflexão sobre medicina, médico e saúde. Justiça, pena e dor. Não será o médico um juiz atento a garantir a superação da fome e da sede de viver com dignidade? Salvar sem condenar o paciente? Julgar o procedimento, sentenciar a prescrição e delimitar as restrições cotidianas? Por isso mesmo, há um mistério e um paradoxo no exercício da missão de administrar ingredientes contra a fome e a sede, com justiça e bondade.

O mistério está em desvendar o “sentido da vida”, origem e destino, as virtudes e as fragilidades, perdas e ganhos, alegrias e tristezas. O poeta lusitano dizia que “tudo o que existe, simplesmente existe. O resto é uma espécie de sono que temos”.

O paradoxo está em conviver com a direção da vida, início e partida, vitórias e derrotas, silêncio e palavra, partilha e fraternidade. O cronista gaúcho afirmou que “o amor só é eterno enquanto dura, mas a cumplicidade fica”.

O médico vive exatamente a realidade do mistério e a criatividade do paradoxo. O médico é o sujeito capaz de encontrar na dor o meio para superar o sofrimento do próximo. O sujeito disposto a conhecer o problema ou a situação do outro, para superar algumas suposições e chegar a um diagnóstico individual. Algumas enfermidades são tão sérias que é preciso compaixão para curar. O dr. Gilberto Colli assimilou com discernimento o mistério e o paradoxo de fome e sede, amor e vida, justiça e paz.