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Dr. Domingos Boldrini, um exemplo a ser seguido!

O Diário - 10 de dezembro de 2023

Dr. Miguel Aboriham Gonçalves

Dr. Miguel Aboriham Gonçalves

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Em 10-12-2008 faleceu o Dr. Domingos Boldrini, um dos médicos pioneiros do Hospital de Câncer de Barretos.

O Dr. Domingos ficou órfão de pai muito cedo, passando dificuldades junto à mãe, apesar de ter herdado um sítio a 8 km de Lusitânia (SP). Para estudar fez o primário cobrindo essa distância a cavalo, ida e volta, sozinho. O ginasial em Jaboticabal. Continuou indo a Lusitânia para pegar o trem que o levava ao ginásio. Por falta de energia elétrica, que não existia no meio rural naquela época, estudava em sua casa, à noite sob luz de vela. Essas dificuldades foram superadas e cursou medicina na USP de Ribeirão Preto.

Continuou humilde, indo às aulas do curso básico de medicina da USP, a alguns Kms de sua casa e posteriormente ao Hospital das Clínicas, de bicicleta. Manteve essa humildade para sempre.

O Hospital São Judas Tadeu passou a ser conhecido depois que o Dr. Paulo Prata conseguiu, com o médico presidente do INPS à época, que pacientes com câncer de determinada região, necessitando de tratamento fora de sua cidade, fossem encaminhados para o referido Hospital.

Logo apareceu um paciente com tumor em região de cabeça e pescoço. Como em Barretos não havia médico com treinamento para tratar tumores dessa região, vim, atendendo a pedidos, avaliar o caso. Era o único paciente internado. O Hospital não dispunha de recursos, tais como: radiologista-RX, banco de sangue, laboratório e UTI. Não havia condições de operá-lo aqui e não podia ser devolvido à origem. O Dr. Paulo disse que iria resolver os problemas e uma semana depois nos avisou que poderíamos vir para operar. Viemos e operei auxiliado pelo Dr. Domingos. Ressecamos o tumor, parte da mandíbula e reconstruímos.

Foi um sucesso! O Dr. Paulo convidou-nos para trabalhar no Hospital. Havia estabelecido a Fundação Pio XII, no último trimestre de 1967, portanto há 56 anos.

Não podíamos vir, tínhamos que terminar a Residência em Cirurgia Oncológica no AC CAMARGO, Hospital de Câncer de SP. Mas passamos a vir, um de cada vez, em fins de semana, para fazer pequenas cirurgias, biópsias, ou ajudá-lo nas cirurgias maiores, não de tumores de Cabeça e Pescoço, nessas vínhamos os dois (Dr. Domingos e eu).

Em janeiro de 1970 terminamos a especialização e mudei-me para cá. Depois de alguns dias, o Dr. Paulo disse para mim que estava comprando uma “Bomba de Cobalto” e não havia radioterapeutas disponíveis para operá-la. Solicitou então que ou eu ou o Domingos fizéssemos Radioterapia.

Conversamos, eu e o Dr. Paulo, com o Domingos que continuava em São Paulo, e foi claro, que não faria Radioterapia por nada! Concordou em mudar para Barretos, se eu fizesse Radioterapia. Fui para São Paulo, deixando esposa grávida na casa de seus pais em Ribeirão Preto. Não tinha onde dormir em São Paulo, a não ser em hotéis e não tinha dinheiro para isso. Assim dava plantões de segunda a quinta-feira à noite, onde podia repousar e até dormir um pouco. Sextas-feiras vinha de São Paulo à noitinha, passava em Ribeirão Preto e seguia para Barretos com a esposa. Sábado às 7h estava no Hospital e tocava a rotina com o Domingos. A faina ia até domingo à tarde quando fazia o caminho inverso para SP.

Terminei a Radioterapia, prestei prova exigida para receber título de especialista, e voltei com a família para Barretos.

Domingos e eu continuamos trabalhando em caixa única, repartindo o que ganhávamos em partes iguais. Fiz cirurgias ainda por 10 anos quando deixei de operar, apesar de gostar.

O Domingos foi o melhor cirurgião que vi operar: calmo, paciencioso, meticuloso, preciso no uso do bisturi, rigoroso na hemostasia e verdadeiro professor, gostava de ensinar.

Mostrava à exaustão as estruturas anatômicas dissecadas aos residentes embevecidos pela sua arte. Com o número de pacientes aumentando, Dr. Paulo, Dr. Domingos e eu, chegamos ao limite de nossas capacidades.

Desde 1973 passamos a contar com médicos residentes em cirurgia que ficavam por um ano e iam embora.

Em 1978, chegou o Dr. Raphael Luíz Haikel, que diferente dos outros, foi ficando e demonstrando sua competência, habilidade e seriedade, revelando ser um médico excepcional. Está até hoje enriquecendo a medicina praticada no hospital.

Em 1982 veio o Dr. José Elias A. Miziara, formado na USP-RP um ano após o Domingos e eu e que ficou no AC Camargo como titular do departamento de tórax por anos.

Em 09 de julho de 1983, veio o Dr. José Carlos Zaparoli (radioterapeuta).

Depois foram chegando outros médicos, mas a importância e dedicação do Dr. Domingos não foram superadas até hoje.

Portanto minha homenagem a um dos médicos mais brilhantes com quem já convivi e que, com certeza, continuará marcando positivamente todos que o conheceram.

Um exemplo a ser seguido!

Dr. Miguel Aboriham Gonçalves