Era uma vez um altar
O Diário - 9 de setembro de 2025

KARLA ARMANI MEDEIROS, historiadora e titular da cadeira 7 da ABC
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Era início do ano de 1973 quando Barretos se preparava para tornar sede de Diocese e a matriz do Divino Espírito Santo uma digna catedral. À época, a igreja tinha 80 anos de construção, e precisava ser reformada para ajustar-se às regras de uma catedral, bem como atender às exigências da liturgia reformada após o Concílio Vaticano II.
Diante disso, o principal ponto foi o altar-mor que ficava no presbitério. Era um monumento que, além de sua notável beleza e função religiosa, era ícone afetivo aos paroquianos e à comunidade. Afinal, foi em sua frente que muitos fiéis batizaram seus filhos, receberam a primeira comunhão, consagraram a eucaristia e até se casaram. Ele foi instalado na igreja em 1934, à época do padre Vicente Francisco de Jesus, e era todo de mármore. Constituía-se por um imponente retábulo de quatro nichos, onde, dentre tantos símbolos, estavam as imagens do Espírito Santo (padroeiro); de Jesus e seu Divino Coração; do Imaculado Coração de Maria e de São José. Existiam também a mesa e belíssimos objetos litúrgicos. Era, sem exagero, de encher os olhos. Literalmente.
Ocorre que, por conta da transformação em catedral e das determinações da Igreja, era necessário repensar e adaptar o espaço do presbitério. Como o altar o ocupava em boa parte e as missas passaram a ser rezadas tendo o sacerdote à frente do público, era preciso concentrar as atenções dos fiéis num altar fixo, dar atenção ao assento especial do bispo e do sacrário, e ter espaço amplo para celebrações como encontros de religiosos e casamentos comunitários. Foi então que, à época do pároco Antônio de Souza, apoiando-se na autorização do bispo de Jaboticabal, dom José Varani, nos primeiros dias de fevereiro de 1973 o altar-mor foi demolido. E em abril, a diocese foi criada.
Barretos, então, perdia mais um de seus patrimônios históricos e afetivos naquela década de 1970, tempos de “modernidade”, quando também foi ao chão o prédio do 1º Grupo Escolar e da Santa Casa. À época, o altar foi demolido sob contestação de muita gente que não se conformava em perder tamanho ícone histórico. Cinquenta e dois anos se passaram e essa perda é sentida até hoje, cabendo à História a missão de pôr luz ao que não mais existe, mas que tanto sentido fez e faz a uma comunidade. Aliás, à cidade.