Esqueci minha senha
O protesto dos adjetivos — versão 2025

O Diário - 22 de outubro de 2025

O protesto dos adjetivos — versão 2025

Aparecido Cipriano, Policial Militar aposentado, Diretor de Escola

Compartilhar


Os vocábulos andam indignados. Vivem cansados, ignorados e, o pior de tudo, abreviados. É “vc”, “blz”, “td bem?”, “kkk”. A língua anda com preguiça — e quem sofre somos nós, os adjetivos.

Outrora, éramos o encanto das frases, o perfume das ideias, a cor das emoções. Hoje, somos tratados como enfeites dispensáveis. Dizem que somos “demais”, que atrapalhamos a objetividade, que deixamos os textos longos.

Mas como falar de amor, sem o “intenso”? De um dia, sem o “lindo”? De uma verdade, sem o “profundo”? De um abraço sem o “caloroso”?

Lamentamos profundamente (sim, ainda usamos advérbios) o rumo que a linguagem tomou. Os substantivos seguem firmes, os verbos se reinventam em hashtags, e nós... nós sumimos nas legendas curtas e nas respostas automáticas. Nas redes sociais, o “lindo”, o “horrível” e o “triste” viraram emojis. A emoção foi trocada por figurinhas. A palavra perdeu o brilho.

Os advérbios, sempre exibidos, continuam se multiplicando. “Literalmente”, “basicamente”, “praticamente” — vivem se intrometendo em tudo. E nós, que dávamos alma à língua, ficamos no esquecimento.

Ainda assim, resistimos. Porque sem adjetivos, a fala fica pálida, o texto sem vida, e o mundo — sem encanto.

Nós, os adjetivos, pedimos apenas um pouco de espaço. Queremos voltar aos livros, às conversas sinceras, às cartas que tinham alma. Queremos lembrar às pessoas que palavras bonitas também fazem bem.

Texto adaptado por Aparecido Cipriano – de BENJAMIM COSTALLAT – publicado no Jornal do Brasil em 01/09/1938.