“Quem você chama quando o perigo sorri?”
O Diário - 11 de novembro de 2025
Aparecido Donizete Alves Cipriano – Sargento PM Aposentado
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Era um domingo qualquer. O menino, coisa de cinco anos, empilhou cadeiras, rabiscou a parede e derrubou o pote de farinha. Arte de criança. Aquelas que enchem a casa de vida e os cabelos dos pais de preocupações.
O pai, cansado, levantou a voz sem pensar:
— Se você fizer isso de novo, vou chamar a polícia pra te prender!
A frase saiu fácil, automática, como se fosse só mais uma forma de controlar. Mas ali, naquele instante, algo muito maior começou a se desmanchar. O menino parou, arregalou os olhos e ficou quieto. Quieto demais.
É que quando uma criança ouve isso, ela aprende duas coisas perigosas: que fazer arte é crime… e que a polícia —que está ali para protegê-la — é uma ameaça; então, lá na frente, quando um estranho com sorriso fácil e fala mansa se aproximar — oferecendo doce, brinquedo ou colo — será que ela vai correr para quem?
Não é exagero. O traficante não grita. O pedófilo não ameaça. Eles não dizem “vou chamar a polícia”, muito menos “vou te bater”. Eles seduzem. Chamam de “amiguinho”. Oferecem aquilo que os adultos da casa apressados negaram: firmeza com atenção, escuta, encantamento. Enquanto isso, a figura da autoridade vai se apagando no coração da criança. O que é para ser socorro, vira susto. Em vez de abrigo, vira medo.
Educar é difícil, impor limites cansa. Mas há uma linha muito tênue entre corrigir e confundir. A ameaça disfarçada de disciplina pode ser o bilhete de entrada para o isolamento. A criança que passa a ter medo da polícia, amanhã talvez tenha vergonha de pedir ajuda. E aí, quando o perigo vier - e ele sempre vem - pode ser tarde demais.
Por isso, da próxima vez que um filho riscar o sofá ou bagunçar a cozinha, respire fundo. Ensine com firmeza, mas com afeto. Troque a ameaça por conversa, o susto por explicação. Porque o mundo já tem lobos demais vestidos de ovelha. Que ao menos em casa, as crianças encontrem leões que as protegem — e não rugem para ferir, também vejam autoridades como proteção e não como ameaça.



