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Classificação e Flexão

O Diário - 16 de novembro de 2025

Classificação e Flexão

Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Mackenzie

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O efeito “zoom” do português

A cada vez que um falante do português opta entre dizer “o livro” ou “um livro”, ele aciona uma das classes de palavras mais essenciais, operando um verdadeiro efeito zoom no substantivo. Essa escolha sutil, feita cotidianamente e quase de forma inconsciente, é a base do artigo, a palavra que acompanha o nome para conferir-lhe precisão ou indefinição. O estudo de sua estrutura e variação permite a compreensão profunda de como as ideias são delimitadas no discurso. O artigo é fundamental tanto por sua função de delimitação semântica, que especifica a referência, quanto por seu papel insubstituível na concordância nominal, garantindo a coesão da frase.

O primeiro ponto a ser defendido é o da função delimitadora do artigo. Mais do que simples acompanhante, ele é um poderoso instrumento de precisão semântica na comunicação. Ele é o delimitador que permite sinalizar o grau de conhecimento do referente: o artigo definido (o, a, os, as) o especifica e aponta para algo conhecido pelos interlocutores. Em contraste, o indefinido (um, uma, uns, umas) o mantém numa esfera de generalidade e imprecisão. Quando se afirma “A luta foi difícil”, o artigo definido remete a um referente específico. Já na frase “Uma luta difícil”, o ser é apresentado de maneira vaga. Essa capacidade de indicar precisão ou imprecisão confere ao artigo uma importância estrutural ímpar na clareza do discurso.

Outro ponto de relevo na estrutura da língua é a flexão do artigo, que garante a coesão sintática e a harmonia do enunciado. Essa classe varia obrigatoriamente em gênero e número para se adequar ao substantivo, transformando-se em um indicador formal que sustenta toda a cadeia de concordância nominal. Por exemplo, o artigo concorda, alternando entre “o menino” e “a menina”, ou entre “os meninos” e “as meninas”. Além disso, o artigo chega a ser a única marca de distinção de gênero em substantivos comuns de dois gêneros (o estudante, a estudante). A força do artigo, portanto, não reside apenas no que ele individualiza ou generaliza, mas no modo como transforma o vago em preciso e o singular em plural com a destreza de um mestre de cerimônias. 

Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Mackenzie