Sentar-se à janela
O Diário - 4 de dezembro de 2025
Rosa Carneiro é empresária, escritora e integrante da Academia Barretense de Cultura
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Era criança quando, pela primeira vez, entrei em um avião. A ansiedade de voar era enorme. Eu queria sentar-me ao lado da janela de qualquer jeito, acompanhar o voo e sentir o avião correndo na pista até a decolagem. Ao olhar pela janela via, o avião rompendo as nuvens, chegando ao céu azul. Tudo era novidade e fantasia.
Cresci, me formei, e comecei a trabalhar. No meu trabalho, desde o início, voar era uma necessidade constante. No início pedia sempre poltronas ao lado da janela, e ainda com olhos de menino, fitava as nuvens, curtia a viagem, e nem me incomodava de esperar um pouco mais para sair do avião, pegar a bagagem, coisa e tal.
O tempo foi passando, a correria aumentando, e já não fazia questão de sentar-me à janela, nem mesmo de ver as nuvens, o sol, as cidades abaixo, o mar ou qualquer paisagem que fosse. Perdi o encanto. Pensava somente em me acomodar rápido e sair rápido.
As poltronas do corredor agora eram exigência. Mais fáceis para sair. Sempre preocupada com a hora, com o compromisso. Numa ocasião, por um desses estranhos “acasos” da vida, o voo que precisava estava lotado e o único lugar disponível era um acento na janela. Sem pensar, concordei de imediato, peguei meu bilhete e fui para o embarque. Sentei-me à janela e nem me preocupei em olhar pela janela. E, num instante, assim que o avião decolou, lembrei-me da primeira vez que voara. Senti novamente e estranhamente aquela ansiedade, aquele frio na barriga. Olhava o avião rompendo as nuvens até que apareceu o céu. Era de um azul tão lindo como jamais havia visto. E o sol, que brilhava como se tivesse acabado de nascer! Naquele instante, em que voltei a ser criança, percebi que estava deixando de viver um pouco a cada viagem em que desprezava aquela vista. Pensei comigo mesmo: será que em relação às outras coisas da minha vida eu também não havia deixado de me sentar à janela, como, por exemplo, olhar pela janela das minhas amizades, do meu casamento, convívio pessoal? Creio que aos poucos, e mesmo sem perceber, deixamos de olhar pela janela da nossa existência. A vida também é uma viagem e se não nos sentarmos à janela perdemos o que há de melhor: as paisagens, que são nossos amores, alegrias, tristezas, enfim, tudo o que nos mantém vivos.
Se você também está num ritmo acelerado para “ganhar tempo”, pare um pouco e reflita sobre onde você quer chegar. A aeronave da nossa existência voa célere e a duração da viagem não é anunciada pelo comandante. Não sabemos quanto tempo ainda nos resta. Por essa razão, vale a pena sentar-nos próximo à janela para não perder nenhum detalhe.
Afinal, “a vida, a felicidade e a paz são caminhos e não destinos”.



