A casa desocupada
O Diário - 28 de maio de 2025

Cláudia Martins de Lima
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Ontem me descobri privilegiada. Estando minha mãe viva pude fazer a mudança de todos os móveis dela para minha casa. Eu tinha acreditado, no dia fatídico da mudança que era um dia infinitamente triste. Eu ali sozinha empacotando tudo e fechando a porta do passado. Parecia o fim. Mas, eis que a vida continuou para minha total perplexidade. Os tais móveis criaram vida na minha casa e agora até parecem que sempre estiveram aqui. Seguimos podendo sentar no sofá, deixar a sala à meia luz do abajur, ouvir Marina Lima no toca disco. E minha mãe, essa fortaleza em forma de gente, permanece viva! Ontem eu voltei a nossa casa que foi desocupada pelo inquilino. Ele, o inquilino, não conhecia as técnicas infalíveis de faxina de minha mãe. Eu as conheço e em cada volta de maçaneta, em cada trinco do mármore, em cada contorno da porta, eu pude passar o pano delicadamente tirando a poeira e trazendo as memórias da nossa família que estão ali. A sala grande, iluminada pela luz do sol está repleta dos nossos risos, das nossas danças, da nossa paz. Até as torneiras se abrem e guardam nossas mãos se esfregando depois do almoço do domingo. Eu sei da janela que trava antes de se abrir completamente, sei da porta que não fecha na primeira vez que a fecho. Sei do som da madeira que range quando piso mais firme. Termino a faxina, eu e minha filha pegamos os baldes e panos e rodos. Olho a grade especialmente encomendada pelo meu irmão em Santos para estar majestosa ali na esquina.
Não, ontem eu não fechei a porta para o passado. Eu a mantenho inteira para o hoje e para o futuro. Quem sabe hoje, privilegiada que sou, levo minha mãe para passear pela sua belíssima casa, afinal, hoje é domingo e é dia passeio.
(Crônica escrita em novembro de 2024, dias antes da partida da minha mãe)