A Inteligência da Fé
Diocese de Barretos - 26 de junho de 2025

A Inteligência da Fé
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Por Pe. Ronaldo José Miguel, Reitor Seminário de Barretos.
Nos últimos tempos, tem-se falado muito sobre o aperfeiçoamento das inteligências, como a Inteligência Emocional e, sobretudo, a Inteligência Artificial (IA). Howard Gardner, doutor em psicologia social e professor de psicologia em Harvard, propõe, em sua teoria das inteligências múltiplas, nove tipos: lógico-matemática, linguística, espacial, musical, corporal-cinestésica, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencial. Nós, cristãos, também podemos seguramente falar de um tipo de inteligência espiritual adquirida como graça, pelo dom da fé recebido no batismo. No batismo, o fiel é inserido em Cristo e em sua Igreja, recebendo a graça filial de tornar-se, assim como Cristo, filho ou filha de Deus. Graças à inabitação do Espírito Santo no fiel, este adquire um instinto sobrenatural da fé, que a teologia denomina sensus fidei – sentido da fé. Por meio do sensus fidei, o cristão é capaz de exercer a Inteligência da Fé, tanto para acolher as verdades reveladas e contidas na Tradição, quanto para interpretá-las. Como afirma o Concílio Vaticano II: “A totalidade dos fiéis, que receberam a unção que vem do Espírito Santo (cf. Jo 2,20.27), não pode enganar-se na fé e manifesta essa sua propriedade característica através do sentido sobrenatural da fé do povo inteiro – sensus fidei –, quando, ‘desde o bispo até o último dos fiéis leigos’, exprime seu consenso universal – consensus fidelium – a respeito das verdades de fé e costumes” (Lumen Gentium, 12). Assim, toda a Igreja, comunhão dos batizados, “desde o bispo até o último dos fiéis leigos”, como bem precisou Santo Agostinho, é infalível nas questões de fé e costumes quando atinge o consenso, graças à Inteligência da Fé. É por meio dessa Inteligência da Fé que o cristão deve, dia após dia, confrontar os acontecimentos de sua vida com a Palavra de Deus revelada na Sagrada Escritura e interpretá-los à luz da fé. Não é uma tarefa simples e requer que o fiel cristão se mantenha em estado de graça, seja maduro na fé e esteja em comunhão com a Igreja — lugar onde se expressa o consenso universal dos fiéis. Um bom exemplo é a interpretação que a Virgem Maria teve de fazer sobre a vida e a missão terrena de seu Filho, Jesus Cristo. Ao receber o anúncio da Palavra revelada pelo Arcanjo Gabriel, de que seria a mãe de Jesus e que: “Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi (...) e o seu reino não terá fim” (Lc 1,32-33). Maria, aos pés da cruz, teve que reinterpretar o anúncio verdadeiro do anjo à luz do evento da cruz. Ambos os fatos são verdadeiros: tanto o evento da cruz quanto a Palavra anunciada pelo Arcanjo Gabriel. Contudo, à luz da cruz, Maria precisou reinterpretar o conteúdo da mensagem e corrigir seu modo de entendê-la: que a realeza de seu Filho não se daria por meio das vanglórias deste mundo, mas pelo dom da entrega de sua vida em favor de muitos. Ou seja, que o seu reino não é deste mundo — não se constrói na centralização de poderes e riquezas, mas no desprendimento até da própria vida. Logo, seu berço não seria o de um príncipe, mas uma manjedoura; seu palácio não seria uma fortaleza de pedras, pois o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça; seu trono não seria o das realezas, mas a cruz, e sua coroa não seria de ouro com joias preciosas, mas de espinhos.