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As andorinhas e o velho frigorífico

O Diário - 14 de outubro de 2025

As andorinhas e o velho frigorífico

KARLA ARMANI MEDEIROS, historiadora e titular da cadeira 7 da ABC / @profkarlaarmani

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Na alvorada ou no crepúsculo, quem passa pela Avenida das Nações é naturalmente convidado a admirar o voo sincronizado das andorinhas. Uma verdadeira coreografia no céu. Um ballet da natureza. Ali, a dança das andorinhas é ainda mais bonita por conta da paisagem, afinal elas riscam harmoniosamente o céu do velho frigorífico Bandeirantes, que, tendo à frente uma propriedade rural, persiste em existir mesmo em ruínas e com o asfalto insinuando-se sobre ele e o campo agrícola à frente. As andorinhas parecem estar ali para proteger o que ainda há de natureza. E de céu. 

Na História, a sutileza e a lealdade das andorinhas sempre foram notadas. Tornaram-se referência à literatura, à música e às artes. O nosso Machado de Assis, por exemplo, deixa escapar uma pista da fidelidade de Capitu no polêmico Dom Casmurro ao mencionar: “As andorinhas voltam sempre ao mesmo beiral, aos mesmos beijos e às mesmas penas, com tal fidelidade e constância, que é um gosto vê-las e um exemplo copiá-las” (ao menos foi o que pensei ao ler o capítulo 57). Já o português Fernando Pessoa, voltando-se à fluidez do tempo, eternizou: “Passam as andorinhas e eu fico / passam leves, errantes, certas do seu rumo / Eu fico sem rumo, preso a mim”. 

Na natureza, as andorinhas voam em sincronia como proteção contra predadores, na busca por alimentos e para facilitar seus voos migratórios. Justamente por serem aves que migram e depois retornam ao seu local para fazer ninhos, elas despertaram a atenção dos poetas e artistas, transformando suas características naturais em metáforas sobre liberdade e leveza; esperança e renovação; amor ideal e amor real; afastamento e retorno; fluidez do tempo e da vida. Não à toa, uma das canções sertanejas mais populares, “As Andorinhas”, de Alcino Corrêa e Zé Fortuna (1957), em versos simples eterniza questões humanas como o retorno à origem e o amor: “As andorinhas voltaram / E eu também voltei / Pousar no velho ninho / Que um dia aqui deixei”.

A humanidade muito escreveu e cantou sobre as andorinhas, e pelo visto elas ainda têm muito a inspirar. Em nosso caso, basta passar pela Avenida das Nações para servir-se de inspiração e apreciar um belíssimo espetáculo.