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Barretos: nota 7,2 no IDEB anos iniciais é conquista a ser celebrada

O Diário - 17 de agosto de 2024

Fernando Soares é barretense, professor e doutor pela USP.

Fernando Soares é barretense, professor e doutor pela USP.

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A sociedade barretense tem uma ótima oportunidade para a partir de agora exercer o que nós pesquisadores chamamos de accountability dos resultados educacionais e sonhar em se tornar uma Sobral-CE em pouco tempo

O IDEB não é um número, existe muita ciência por trás e seu correto entendimento é condição sine qua non para adoção de corretas políticas públicas educacionais.

Como qualquer indicador utilizado nas mais diversas áreas do conhecimento humano, os utilizados na área de educação também são simplificações e recortes de fenômenos que são investigados. Naturalmente, se prioriza a avaliação e monitoramento daquilo que se tem razoável confiança de sua importância em determinado momento histórico e que se pode avaliar por meio de técnicas e estudos que mostram evidências neste sentido. Prioriza-se também, resultados que se mostram pré-requisitos para que outros objetivos sejam alcançados. Por exemplo, não é esperado que um indivíduo exerça sua cidadania, responsabilidade e criticidade em sua plenitude, caso não consiga ler e entender documentos públicos, entender o roteiro do ônibus urbano ou compreender conhecimentos essenciais de ciências para a preservação de sua saúde, higiene, do meio ambiente, entre outras ações.

A implantação de um sistema de accountability com o monitoramento de resultados de rendimento, de aprendizagem e com metas concretas a serem atingidos é uma forma do Estado ficar sabendo se o direito à educação de seus cidadãos está sendo atendido. Na ausência de um sistema como esse, o direito público subjetivo estabelecido no texto constitucional não pode ser monitorado e, eventualmente, exigido.

Se a educação é definida, constitucionalmente, como direito de todos e dever do Estado e da família, exige-se considerar necessariamente a responsabilização, sobretudo da classe política, e a mobilização da sociedade como dimensões indispensáveis de um plano de desenvolvimento da educação. Com efeito, a sociedade somente se mobilizará em defesa da educação se a incorporar como valor social, o que exige transparência no tratamento das questões educacionais e no debate em torno das políticas de desenvolvimento da educação. Desse modo, a sociedade poderá acompanhar sua execução, propor ajustes e fiscalizar o cumprimento dos deveres do Estado”

As políticas de accountability na educação possuem basicamente dois tipos de usos: i) ser um mecanismo onde as escolas divulgam resultados educacionais que permitem os pais dos alunos terem algum tipo de informação para inferirem sobre a qualidade da escola; ii) ser um mecanismo de Estado que cumpre a legislação de prestação de contas para a sociedade por meio da publicidade e eficiência.

Em 2007 tive o privilégio de acompanhar o lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pelo economista Reynaldo Fernandes, professor da USP Ribeirão Preto e presidente do INEP à época. O PDE implementou quatro programas de ação assim divididos: i) Formação dos professores e piso salarial nacional; ii) Financiamento: Salário-Educação e FUNDEB; iii) Avaliação e Responsabilização: O IDEB; e por último, iv) Plano de Metas: Planejamento e Gestão Educacional. Foi assim que nasceu o IDEB.

O IDEB é uma combinação de avaliações externas padronizadas e indicadores de rendimento de fluxo escolar. O indicador ganhou legitimidade e passou a ser a referência para o acompanhamento da qualidade por meio de decreto federal 9094/2007 e a Lei do PNE de 2014.

Quando foi construída as metas do IDEB em 2007, foi estipulado que a meta desejável teria como parâmetros o desempenho médio dos alunos da OCDE no PISA 2003. Ou seja, as notas do IDEB foram harmonizadas na escala de proficiência do exame mais famoso do mundo, o PISA. Com isso, a meta nacional tinha com objetivo que o Brasil alcançasse a nota de proficiência em leitura e matemática da média dos países ricos da OCDE no ano do bicentenário da independência do Brasil. Nada mais simbólico do que isso!

A partir daí a meta nacional foi desmembrada para os estados, municípios e escolas, considerando um fator importantíssimo: o ponto de partida de cada aluno e escola em 2005, por meio do nível socioeconômico dos alunos.

Desde o estudo empírico seminal de Coleman et. al. (1966), é conhecida a forte relação entre o contexto socioeconômico da família do aluno e seu desempenho escolar. Ou seja, o acesso a bens culturais e tecnológicos, ambiente familiar estável, a escolarização, o nível de renda, o hábito de leitura e apoio psicossocial dos pais ao longo da vida escolar dos filhos, influenciam nos resultados desejáveis da educação. Bourdieu (1979) pontua importantes relações entre a estrutura da sociedade e a escola, com destaque ao conceito de capital cultural, no qual é atribuído a influência de desempenho e a manutenção das desigualdades educacionais. Embora exista forte associação entre este status socioeconômico na qual o aluno está inserido e os resultados desejáveis na educação, esta relação não é determinística.

Pois bem, após compartilharmos os conceitos básicos do IDEB – sem entrar no mérito da complexa modelagem matemática-estatística da construção das escalas de proficiência - afinal, a rede municipal de Barretos foi bem? Sim, foi ótima! Nos anos iniciais (1º ao 5º ano) a rede municipal atingiu nota 7,2, um crescimento muito relevante de 16,1% em relação ao IDEB de 2021 e bateu a meta do Plano Nacional de Educação estabelecida para o bicentenário da independência de 6,8.

Nos anos finais (do 6º ao 9º ano) a rede municipal atingiu a nota 5,4. Um gestor desatento certamente julgaria que a nota teria sido regular, mas não! A nota fui muito boa. Lembre-se que as metas do IDEB foram construídas com base no nível socioeconômico dos alunos das escolas. E neste caso, o ponto de partida dos anos finais era muito baixo. Portanto, a nota 5,4 para este caso é uma boa nota. Tão é verdade que a rede municipal também bateu a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação. Este é um belo exemplo de que o entendimento de como são construídos os indicadores, de toda ciência e modelagem matemática por trás do indicador, importa na tomada de decisão.

Como o IDEB acabou de ser divulgado, há inúmeras análises a serem feitas ainda. É preciso destrinchar os outros índices derivados do IDEB para que não só a proficiência seja valorizada, mas também que a inclusão e equidade também sejam fatores de monitoramento. Aliás, foram estas propostas de melhorias no IDEB que fizeram minha pesquisa estar entre as premiadas no 1º Prêmio Nacional de Educação.

Por fim, como não poderia deixar de ser, parabenizo toda a gestão municipal e comunidade escolar envolvida. Os resultados apontam um grande legado deixado para Barretos. Somados ao prêmio de alfabetização na idade certa e os bons indicadores de acesso escolar, as evidências mostram que a direção está correta. É possível avançarmos ainda mais com os exemplos da melhor rede municipal do Brasil (Sobral-CE), onde o seu sistema de accountability – monitoramento e engajamento da sociedade civil – fazem parte de uma das diversas estratégias educacionais adotadas por lá.

Fernando Soares é barretense, professor e doutor pela USP. Este artigo é baseado em sua pesquisa premiada no 1º Prêmio Nacional de Educação: aprimoramento da gestão educacional no Brasil / Organizado pela Escola Nacional de Administração Pública, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2022.