“Convosco sou cristão, para vós, sou bispo”
Diocese de Barretos - 22 de maio de 2025

“Convosco sou cristão, para vós, sou bispo”
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Por Pe. Ronaldo José Miguel, Reitor Seminário de Barretos.
Há exatamente duas semanas, fomos alegremente surpreendidos com a eleição de mais um Papa das Américas: o Santo Padre, Papa Leão XIV. Em seu discurso de apresentação, no balcão central da Basílica de São Pedro, o Papa — fazendo jus à sua ordem religiosa — parafraseou Santo Agostinho, dizendo: “Com vocês sou cristão; para vocês, sou bispo. Isso é nome de graça; aquilo é nome de ofício. Ser cristão é um privilégio; ser bispo é uma responsabilidade” (Sermão 340). Em poucas palavras, Santo Agostinho definiu a Igreja Católica em sua essência, distinguindo o ser do fazer, isto é, aquilo que exprime identidade e condição existencial daquilo que é apenas um serviço a essa condição de vida. Ser cristão é a condição existencial que confere ao fiel a graça da santidade, dando ao batizado a identidade de filho ou filha de Deus. Não há nada mais santo do que ser reconhecido, diante de Deus Pai, com a mesma dignidade do Filho unigênito, Jesus Cristo. É graças ao batismo que nos tornamos filhos no Filho Jesus. Portanto, ser filho de Deus é o novo caráter que o batizado assume e que lhe confere dignidade diante do Pai. Não se trata apenas de uma criatura esculpida pelas mãos do Criador, mas de um filho amado, que se relaciona intimamente com seu Deus, a quem pode chamar de “Abbá, Pai!” (cf. Rm 8,15). Não há título mais nobre do que ser chamado cristão, isto é, filho de Deus. Já o ser bispo é uma função, um ministério ou serviço que só existe e se exerce em razão dos filhos de Deus. Ou seja, trata-se de um serviço sagrado cuja finalidade é promover a dignidade dos filhos de Deus. Como bem afirmou São João Paulo II, o bispo, por sua ordenação, “exprime-se num ‘ser para’ os outros fiéis, que não o desenraiza do ‘estar com’ eles” (Pastores gregis, 9). Desse modo, é como se Agostinho dissesse: “para vós sou o pastor das ovelhas; convosco, sou ovelha do mesmo rebanho”. Assim como Jesus, o “Bom Pastor” (Jo 10,14), é ao mesmo tempo o “Cordeiro de Deus” imolado (Jo 1,29), também “o bispo está na Igreja e a Igreja está no bispo” (Epístola 66), como já dizia São Cipriano de Cartago. Certamente, Santo Agostinho tinha em mente todo o seu processo de conversão pessoal — o de quem viveu, na própria vida, o drama da ovelha ferida e extraviada, e que, após o tempo da misericórdia divina, encontrou o caminho de volta e teve suas feridas curadas. Tanto é verdade que, na ocasião de sua elevação ao episcopado, a tradição lhe atribui a seguinte afirmação: “Não me peçam dureza, mas compreensão, porque eu também pequei muito.” Percebe-se que a fala do Papa Leão XIV, inspirada nas palavras de Agostinho, evoca aquilo que seu antecessor, o Papa Francisco, tanto insistia em seus discursos: “A Igreja necessita de pastores com cheiro de ovelhas” (Homilia Crismal, 28.03.2013).