Do reino à prisão de tela
O Diário - 27 de maio de 2025

Aparecido Donizete Alves Cipriano Mestre em Educação (UNESP) Militar aposentado, Ex-secretário de Educação, Diretor de Escola
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Era uma vez um pequeno rei. Não usava coroa nem trono de ouro, mas carregava no bolso um cetro reluzente: o celular. Tinha sete anos, pouco mais de um metro de altura e uma autoridade surpreendente sobre os adultos à sua volta. Bastava um “não” para que a sala de estar virasse um campo de batalha: choros, gritos, ameaças e, por fim, a rendição dos pais — o aparelho devolvido às suas mãos pequenas e poderosas.
De repente, o menino começou a se isolar: preferia a tela e avatares aos amigos, ao brincar ao ar livre, às conversas reais. O “não” — essencial à educação — passou a ser visto como ataque à sua autoridade. A exposição constante aos estímulos da tela o tornava impaciente, ansioso, incapaz de lidar com frustrações. Surgiram comportamentos típicos da chamada “Síndrome do Imperador”, em que a criança acredita que o mundo deve girar ao seu redor.
No início, o celular parecia um instrumento mágico de poder, aos poucos, o que era um reino encantado tornou-se uma prisão invisível, pois a vida não se curva. O mundo real não tem botão de pause, não carrega em segundos, não entrega recompensas sem esforço. E é nesse choque entre o mundo virtual — onde tudo gira em torno do “eu” — e o mundo real — onde o “nós” é essencial — que a prisão se revela: uma criança incapaz de lidar com frustrações, isolada emocionalmente, escrava de um prazer passageiro que exige cada vez mais e devolve cada vez menos.
A culpa não é só da criança. Também é nossa, dos adultos exaustos, que trocaram o limite necessário pela facilidade da tela. No entanto, a paz momentânea pode ter um preço alto: o enfraquecimento da infância real, rica em relações, limites e experiências.
Ainda há tempo de soltar as amarras digitais e conduzir a criança de volta ao verdadeiro reino — aquele onde ela aprende a viver com os outros, sentir, errar, perder, ganhar, crescer e ser, de fato, criança; reino onde ela deve crescer... o da vida real.