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Educação inclusiva – quando o direito é óbvio, mas com tampão

O Diário - 2 de agosto de 2025

Educação inclusiva – quando o direito é óbvio, mas com tampão

Aparecido Cipriano, Militar aposentado

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Tem coisas que parecem óbvias, mas que insistem em tropeçar no cotidiano da escola. Uma delas é o direito à educação inclusiva. Está na lei, está na Constituição, está na consciência de muitos educadores – e, ainda assim, precisa ser lembrado, repetido e, sobretudo, garantido.

É impressionante como um papel com carimbo e assinatura médica pode se transformar, sem querer, em um portão trancado. O famoso “laudo” – que deveria ajudar – às vezes é exigido como senha para que uma criança ou adolescente tenha acesso ao que já é seu por direito: aprender com dignidade, com os apoios de que precisa.

Mas a educação, senhores e senhoras, não pode esperar por um diagnóstico. Porque a criança já está ali, na sala, com sua mochila, seus lápis de cor e suas perguntas. E a escola, essa que se diz inclusiva, não pode adiar seu compromisso até que um consultório diga o que os olhos atentos de um professor já viram faz tempo.

A legislação brasileira é clara: não é preciso laudo médico para garantir atendimento educacional especializado (AEE), nem para oferecer adaptações curriculares, acessibilidade ou acompanhamento escolar. A Lei Brasileira de Inclusão, a Resolução CNE/CEB nº 4/2009, a Nota Técnica nº 04/2014 do MEC, o Parecer CNE/CP Nº 50/2023, todos falam a mesma língua. A escola pode – e deve – identificar pedagogicamente as necessidades de seus alunos. E, mais do que isso, pode registrar, planejar, agir. Não é favor. É dever. E também é sensibilidade.

Há uma grande diferença entre ter um direito e conseguir exercê-lo. No papel, todos são bem-vindos. Na prática, ainda há crianças barradas pela burocracia, por inseguranças institucionais ou pelo receio de se comprometer. “Sem laudo, não podemos fazer nada”, ouve-se por aí. Mas podemos, sim. E devemos.

O PAEE – Plano de Atendimento Educacional Especializado – é uma ferramenta viva, moldada pelas necessidades de quem aprende e pela criatividade de quem ensina. Ele fala daquilo que o laudo médico não alcança: da rotina, das estratégias, dos afetos, das barreiras reais e das soluções possíveis. Não se trata de ignorar a medicina, nem de desprezar o diagnóstico clínico. O laudo pode ser útil. Mas não determinante. A escola deve olhar o aluno para além da nomenclatura que o define e enxergar o estudante antes do CID. Nenhuma criança precisa provar que merece apoio. Seu simples estar ali já basta.

No chão da escola, o professor atento percebe que aquele menino se comunica de um jeito próprio, que aquela menina tem dificuldade com o barulho, que aquele outro precisa de mais tempo para copiar. E, mesmo sem laudo, sabe o que fazer. Porque educação, quando é de verdade, não espera a certificação do óbvio. Ela age.

No fim das contas, o que está em jogo não é só a aplicação de uma norma. É o destino de uma criança. É o direito que bate à porta da escola – e que não pode ser ignorado por falta de carimbo.