Festa Junina
O Diário - 3 de julho de 2025

Prof. Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na área dos estudos discursivos e textuais – literatura, artes e mídias digitais
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Somente as Escrituras
A frase “Nem todo legislador é um pastor, mas todo pastor é um legislador” chama atenção pela forma engenhosa como articula os campos político e religioso para refletir sobre a natureza da autoridade. Em leitura mais aprofundada, a expressão aponta para um tipo de poder simbólico exercido por pastores, não por mandatos formais, mas pela interpretação das Escrituras como fonte normativa. Tal raciocínio revela que a autoridade pastoral se exerce por meio da leitura bíblica, e não da investidura estatal. Além disso, mostra que a orientação sobre práticas culturais, como as festas juninas, decorre desse modo específico de normatização.
A autoridade pastoral se estabelece por meio do discurso, fundamentado na interpretação das Escrituras, e não por função legislativa oficial. A frase sob análise contém duas orações adversativas: a primeira, negativa parcial – “nem todo legislador é um pastor” -; a segunda, afirmativa total – “todo pastor é um legislador”. Essa assimetria reforça o papel normativo do pastor, que se manifesta em leituras de passagens como 1 Coríntios 10:14 ou 2 Coríntios 6:16-17, utilizadas para orientar condutas nas comunidades de fé. Ainda que informal, essa autoridade organiza o cotidiano espiritual e dá sentido à vivência religiosa.
A atuação do pastor como legislador simbólico da fé cristã não deve ser compreendida como repressão, mas como esforço de coerência entre princípios bíblicos e prática diária. Mesmo ao advertir sobre festas populares, sua posição nasce do zelo diante de passagens sobre santidade e separação. Para os fiéis, essas orientações não soam como imposição, mas como convite à coerência espiritual. Portanto, quando o pastor interpreta e orienta com base nas Escrituras, ele não apenas propõe normas, aliás, oferece caminhos. Ao fazê-lo, age como gramático da fé: conjuga valores, articula sentidos e pontua convicções, numa sintaxe em que a Palavra se torna regra e a doutrina, direção.
Prof. Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na área dos estudos discursivos e textuais – literatura, artes e mídias digitais