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Furor legiferante

O Diário - 7 de setembro de 2022

Furor legiferante

Júlia Rodrigues Carvalho Procuradora Municipal Especialista em Direito Público e Direito Processual Civil

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Na XX semana jurídica do TCE-SP eu escutei a expressão que dá título ao presente artigo, pronunciada pelo mais recente Ministro do Tribunal de Contas da União, Antonio Anastasia, um profícuo orador. 

A expressão sobressaltada reflete a realidade legislativa do nosso país, que despeja diuturnamente uma enxurrada de alterações legislativas, muitas voltadas exclusivamente para um cenário contingente sem se preocupar com as consequências ou a perenidade do sistema normativo.

A fala do Ministro na ocasião, que escancarou a obviedade ao enunciar que o problema não está na norma e sim na sua aplicação, me fez relembrar a icônica e atemporal frase de Montesquieu, que há mais de dois séculos disse: “quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda a parte”.

Eu poderia encerrar este breve artigo aqui, porque o raciocínio é muito claro. Mas dando uma rápida pincelada na moral da história, o fato é que os governantes, e aqui me refiro aos três Poderes da União mas com maior ênfase ao Legislativo e ao Executivo, estão muito mais preocupados em abrir ferozmente as comportas das alterações legislativas (daí o “furor legiferante”) ao invés de realmente se debruçar sobre as necessidades constantes deste país emergente.

Cito como exemplo, mas poderia trazer inúmeros outros, o “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” que acompanha a nossa Constituição Federal, uma parte que, na sua concepção, se destinava apenas a regular situações transitórias pendentes com o advento da Carta Magna em 1988, mas que nos últimos anos se tornou um depósito de normas aleatórias sem qualquer fundamento empírico, a maioria de direito financeiro, alcançando atualmente 120 artigos, quase a metade dos artigos já existentes no corpo principal da nossa norma máxima.

O resultado não poderia ser outro, estamos cercados de leis em sua maioria excelentes, mas de aplicabilidade esvaziada, confusa ou amiúde subjugadas ao ativismo judicial, não só assistimos como vivemos a insegurança jurídica de um país que não consegue colocar em prática uma coalizão efetiva em prol da estabilidade das relações jurídicas.

Só nos resta acompanhar, dia após dia, qual será a nova norma do momento.