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No princípio era o encantamento

O Diário - 14 de abril de 2022

No princípio era o encantamento

No princípio era o encantamento

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É bem sabido que os gregos foram responsáveis pelas mais intrigantes contribuições no Mundo Antigo. Mas uma, é bem verdade, é destaque e motivo de profundo agradecimento aos helênicos: a filosofia. O Mundo Antigo, em seu caminhar lento em todos os cantos do orbe, via grandes civilizações guardiãs das mais diversas culturas. Mas nenhuma teve a boa fortuna da Grécia e fora capaz de se maravilhar com a realidade como foram os gregos. Ainda que com seus mitos, os helênicos não tinham uma religião que os dissesse verdades imutáveis em seus dogmas internos. Os gregos foram livres em seu pensar e conseguiram aquilo que é mais próprio para a filosofia: o encanto, o maravilhamento.


Bastou que um homem no século VII a. C. fosse taxado de distraído e louco por uma empregada que retirava água do poço - o mesmo poço, diga-se, em que ele estava caído - para que a Grécia visse surgir um novo frescor na história concreta do Ocidente: ali nascia a filosofia. Tales de Mileto era o seu nome e fora o primeiro dentre todos os homens a buscar uma ''razão'' primordial para explicar os fundamentos da realidade. Nascido ao leste da antiga Anatólia, Tales sempre esteve cercado por água. Viu na imensidão dos mares o princípio (arché, em grego) de todas as coisas. Embora pudéssemos ter a ideia do sentido literal da afirmação do Primeiro Filósofo, há muito mais por trás da mesma de que ''tudo é água''.


Tales deu origem à busca, ao interesse pelo mistério. A água de Tales revela a grandeza infindável e misteriosa da realidade, não podendo ser abarcada pela pequenez da mente humana. Tales viu, contemplou, se maravilhou e então descobriu a filosofia. Ela é o encanto do homem pela realidade e a busca pela verdade.  

 

O mesmo se sucedeu com seu discípulo, Anaximandro. Este, concordando com a afirmação de seu mestre, acrescentou que havia um princípio anterior à água, e que dava forma e essência a todas as demais coisas: o eterno (ápeiron). Assim se deu com o aluno de Anaximandro, Anaxímenes, que concluiu que, embora no que fora antecedido houvesse razão, o princípio só poderia ser o ar (abrindo espaço para uma interpretação sobre a alma humana, a pneumatologia).


Note-se: a água, o eterno, o ar estão ligados com a realidade - e não apartados dela -, portando todas as interpretações feitas a esses filósofos primeiros podem levar a uma conclusão simples: eles conseguiram, por via da razão natural, encontrar, mediante o encantamento e a maravilha, os fundamentos da verdade e do eterno, revendo as concepções mitológicas tão bem enraizadas na alma grega por Homero e Hesíodo. Buscaram o ''porquê'' de tudo e chegaram à busca cosmológica pelo princípio.


Paulo Henrique Pereira
Estudante de Filosofia.