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O Legado de Fernando Henrique

O Diário - 27 de novembro de 2025

O Legado de Fernando Henrique

Aristóteles Drummond

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Foi noticiado que a Fundação Fernando Henrique Cardoso está pensando em editar uma monumental obra reunindo todos os escritos do ex-presidente, discursos, entrevistas, artigos ao longo de décadas de militância política. O coordenador do projeto seria o escritor e historiador Jorge Caldeira, sociólogo e cientista político relevante, membro da Academia Brasileira e com notável passagem no jornalismo. A coleção poderia ter cerca de uma centena de volumes.

Um certo exagero no tamanho do trabalho a ser compartilhado por uma comissão de intelectuais. O ex-presidente, que teve uma vida interessante sob o ponto de vista histórico em seu tempo, entretanto não é uma unanimidade, mesmo entre os que lhe reconhecem os muitos méritos que possui. Errou e, na fase final de sua participação política, regrediu ao colocar a ideologia acima do interesse nacional. 

Em 2022, teria feito melhor se distanciando da eleição, pois, na verdade, deveria condenar os dois que disputavam o segundo turno, que ela sabia bem quem eram. Preferiu a ideologia. E apoiou Lula. 

Uma vida de militância na esquerda, que inclui a admiração pelo pai, oficial do Exército de esquerda, eleito deputado federal por São Paulo com os votos dos comunistas, segundo se sabe, o casamento com ilustre intelectual mais à esquerda do que ele e um autoexílio prudente no período militar. E o aproveitamento de militantes da luta armada em postos de seu governo. Tudo com elegância, honestidade e coerência. Nada que o desabone, mas que não deve ser ignorado ou minimizado.

A obra do sociólogo de esquerda foi construída numa época em que o muro ainda não havia caído e foi linha auxiliar dos marxistas, pensamento que sempre esteve próximo do seu. Tendo evoluído, com inteligência e sabedoria, ao ser questionado, quando executou o projeto de privatizações iniciado pelo Presidente Fernando Collor, chegou a pedir que esquecessem o que escreveu, segundo foi amplamente noticiado.

O erro político maior foi a aprovação da reeleição em operação comandada pelo seu controvertido companheiro Sérgio Motta, em que dois parlamentares foram cassados pela venda do voto para emenda à Constituição e até hoje não se sabe quem pagou e com que dinheiro. Também se especulou muito que, ao concordar com a candidatura de José Serra – seu amigo e fundador do PSDB, que na mocidade presidiu a UNE e foi orador no comício de Jango em 13 de março de 64 –, pensava em voltar quatro anos depois diante do provável fracasso do governo Lula. Serra não unia o grupo político, não tinha carisma e transitava com dificuldade nos setores mais conservadores da aliança e acabou melancolicamente derrotado para deputado federal. Repetiu o erro de JK, que indicou Lott para voltar em 65. JK não previu a renúncia e 64, e FHC não previu que o mandato não seria tão desastroso pelos bons ventos mundiais e pelo talento político de Lula, que captou seus apoios à esquerda.

FHC deixou um bom legado em muitos aspectos, mas, como se diz popularmente, também não era nenhuma Brastemp.

              No Brasil hoje é arriscado se fazer uma análise isenta pelo risco de desagradar a todos.