Em um país onde carros chegam a custar mais que casas, ser pedestre é um ato de extrema coragem. A cada esquina, o pedestre enfrenta não apenas a pressa de motoristas, mas o desprezo estrutural de um sistema que o ignora. Enquanto ciclovias ganham manchetes e obras viárias disputam verbas bilionárias, as calçadas seguem esburacadas, mal iluminadas e, muitas vezes, inexistentes.

É curioso, para não dizer trágico, como naturalizamos essa negligência. Enquanto o Código de Trânsito garante prioridade ao pedestre, ser atropelado ainda é tratado como fatalidade, e não como falha sistêmica. Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.

Ou seja, o poder público tem obrigação legal de garantir um ambiente minimamente seguro para quem anda a pé. Falta fiscalização, mas sobretudo falta cultura de respeito. A falsa sensação de superioridade que o volante oferece criou uma geração de motoristas que se esquece que também caminham. 

Cidades que ignoram seus pedestres não são apenas ineficientes. São desiguais. Seja o idoso que tem medo de cair, a mãe com carrinho de bebê que não encontra rampa ou a pessoa com deficiência que é forçada a andar pela rua, todos narram silenciosamente o desprezo diário por uma mobilidade mais humana.

Andar a pé é, paradoxalmente, o meio de transporte mais acessível e mais negligenciado. Quando uma cidade decide tratar com seriedade quem caminha, ela não está apenas evitando acidentes. Está escolhendo civilidade, saúde pública, inclusão e, acima de tudo, respeito.

Talvez um dia o pedestre deixe de ser invisível. Mas, até lá, seguirá sendo o passageiro esquecido de cidades que insistem em acelerar.