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Os terços e os mastros

karla-armani-medeiros - 6 de fevereiro de 2024

Os terços e os mastros

PROFª ESP. KARLA ARMANI MEDEIROS historiadora e titular da cadeira 7 da ABC – www.karlaarmani.blogspot.com

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“Pedrinho interrompeu a conversa, de ouvido atento.

- O mastro de São João!... – murmurou enlevado – quantas vezes no colégio me iludi com os ringidos das portas, imaginando que era a bandeira do nosso mastro!... Como vai ele?”. (Reinações de Narizinho, Monteiro Lobato, 1931).

Estávamos eu e Cecília, minha filha mais velha, lendo o incrível Lobato quando nos deparamos com o trecho acima. De imediato, Cecília franziu a testa e me indagou: “Como assim, Mastro de São João? O que é isso?”. A espontaneidade da pergunta dela levou minha mente anos atrás. (Mal imaginava minha filha que ela acabava de me fazer sentir uma saudade e oferecer-me uma crônica de recompensa). Vou explicar.

A pergunta de Cecília me fez viajar no tempo, na época em que, quando criança (até adulta), minha avó Joanita realizava em sua casa, todo dia 13 de junho, um terço em homenagem a Santo Antônio. Ao explicar à Cecília, de forma simplória, os rituais de um terço comunitário, minha memória afetiva me transportou ao cheiro das velas queimadas, aos cantos e ladainhas, às senhoras com véus na cabeça, ao gosto da canjica, às filas enormes para o quentão, à fogueira bem montada pelo meu avô e, claro, ao mastro! Monteiro Lobato foi genial ao escrever sobre o ringido do mastro. Realidade pura.

Minha avó, artesanalmente, preparava o mastro e a bandeira semanas antes. Lembro-me dela cortando papel crepom vivamente colorido, moldando-o em canetas Bic para formar lindas flores e adornar a imagem um tanto apagada de Santo Antônio. Além da bandeira do santo, o mastro também era encapado com o mesmo crepom. No dia do terço, o imperioso mastro era alçado e ali ficava por meses, sendo exposto ao tempo, sol e chuva. O papel se desfazia, as cores se apagavam, porém, a sua existência permaneceu na memória de netos como eu (e agora da geração futura). Lindo isso.