Passadismo
O Diário - 2 de setembro de 2025

KARLA ARMANI, historiadora e ocupante da cadeira 7 da ABC – www.karlaarmani.blogspot.com / @profkarlaarmani
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Quando o assunto é História, há algo que me inquieta: a impressão que o senso comum tem em achar que no passado tudo era maravilhoso e melhor que o tempo presente. Essa crença de excessivo valor ao passado tem nome: passadismo.
Qual seria a raiz do passadismo? Uma das explicações vai ao encontro a um grave problema que a humanidade ainda enfrenta: opiniões rasas, aquelas formadas pela falta de estudo, leitura e exercício, isto é, o culto à ignorância a partir da negação da ciência e do conhecimento humanístico. E é daí que brota o passadismo e seus perigos.
O indivíduo que acredita que, no passado, homens e mulheres viviam em mais segurança, construíam casas mais facilmente, tinham filhos mais educados e trabalho mais acessível, é porque não quer ver a realidade da maioria das pessoas dos tempos idos. Quem tinha tempo e dinheiro para ter um bom emprego, casa própria, educação aos filhos e mais segurança era (e ainda é) uma pequena parcela da população. E essa bolha não pode ser referência de realidade. Se voltarmos há cem anos, a maioria das pessoas era trabalhadores que viviam em fazendas, casebres, cortiços, com salários ínfimos, sem saneamento, sem leis trabalhistas, sem estudos e sem perspectiva de melhoria de vida.
Além da História, a Literatura é também um excelente caminho para demonstrar essa realidade. Nos anos 1930, o Brasil contou com uma escola literária inovadora (Romance de 1930), que, por meio de livros modernos, demonstrou ao país a realidade das suas diversas regiões. Foi assim que o Brasil conheceu Fabiano de Graciliano Ramos (Vidas Secas), os menores abandonados de Jorge Amado (Capitães de Areia), os ricos e pobres de Érico Veríssimo (Caminhos Cruzados), a professora Conceição de Rachel de Queiroz (O Quinze), José Severino de Ranulfo Prata (Navios Iluminados), entre outros.
Basta ler esses clássicos da literatura nacional para se ampliar a lente sobre o passado. Lá o voto era aberto, mulheres não podiam nem estudar, os casamentos eram arranjados, crianças apanhavam e muito do que hoje é crime era mera rotina. É claro que nos tempos mortos existia beleza, mas, dependendo da lente que se usa, eles podem iludir aqueles que se fecham ao conhecimento e deixam de vigiar o que lá deve ficar.