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Quem criou a REDE VIDA já transformou muitas vidas – e eu sou uma delas

O Diário - 22 de julho de 2025

Quem criou a REDE VIDA já transformou muitas vidas – e eu sou uma delas

Aparecido Cipriano - A história contada são fatos reais!!

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O ano era 1979. Eu, menino de periferia, 12 anos, estudava na Escola Mário Vieira Marcondes, na antiga sexta série. Aluno aplicado, daqueles que carregavam mais vontade do que recursos. Como a maioria dos estudantes pobres da época, fazia parte da famosa “Caixa Escolar”: caderno, lápis, borracha – e só. Nada de livros. O jeito era estudar com o material emprestado dos colegas.

Mas havia uma disciplina chamada “Educação Moral e Cívica” – que, aliás, deveria existir até hoje – cuja professora adorava surpreender: “Prova surpresa de consulta, tirem os livros e respondam!”. E quem não tinha livro? Ganhava um zero seco, sem dó. Foi assim que vi, pela primeira vez, um “D” vermelho brilhar no meu boletim. Fiquei arrasado.

Disseram-me então que a Rádio Piratininga estava procurando meninos para entregar jornais. Sem pensar, fui até lá. Quem me atendeu foi uma moça simpática, que me encaminhou a um jovem senhor já de cabelos brancos: era o Sr. Monteiro Filho.

— Você quer entregar jornal?

— Sim, preciso comprar um livro.

Mas que horas você estuda?

Cedo.

— O jornal sai às 5h da manhã.

— Eu entrego e depois vou pra escola.

Porém ele avisou: precisava de bicicleta. E eu não tinha. Então perguntou por que tanto precisava do livro. Expliquei minha situação: estudava só com caderno, lápis e caneta, e tinha levado um zero por não ter o bendito livro. Mostrei meu caderno – eu o carregava, pois naquele dia havia saído da aula e ido direto para Rádio. Ele viu os desenhos que eu fazia nas aulas de Educação Artística (hoje chamadas apenas de “Artes”) e notou que a mesma professora também dava também Geografia.

Foi então que ele se levantou, levou-me até a janela do segundo andar da rádio e apontou para uma papelaria do outro lado da rua. Escreveu um bilhete, dobrou e disse:
— Vá até lá, entregue ao Seu Maquininha e depois volte. Não leia o bilhete.

E eu obedeci. Crianças eram criadas assim.

Na papelaria, Seu Maquininha leu o bilhete, olhou pra mim e perguntou:

Quais os livros que você precisa?

Respondi: Educação Moral e Cívica e Geografia. Ele pegou ambos, uma caixa de lápis de cor (com 24 cores!), um caderno de desenho com folhas de seda (coisa de rico!) e me entregou.

Voltei à rádio e coloquei tudo sobre a mesa do Sr. Monteiro Filho. Ele disse:

É seu. Pode levar.

Perguntei:

Quando começo a entregar jornal?

E ele respondeu com um sorriso:

— Você ainda é muito pequeno pra esse serviço. Depois você me paga.

Insisti:

Então deixa, não vou poder pagar.

Foi então que ele pegou o material, colocou em minhas mãos e disse:

— Estude. Seja alguém na vida. Assim estará me pagando.

“Este é um filho meu”

Anos se passaram. A vida me levou por muitos caminhos. Tornei-me Policial Militar. Nunca esqueci aquele gesto do Sr. Monteiro Filho — que, com um simples bilhete e um enorme coração, me deu livros, lápis de cor, um caderno de folhas de seda e, principalmente, esperança.

Nos anos 90, soube que haveria um grande evento no Parque do Peão, com a presença do Padre Marcelo Rossi e convidados. A Rede Vida, fundada pelo próprio Sr. Monteiro, estava entre os organizadores e precisavam de alguém para coordenar a segurança particular do evento.

Procurei a equipe e me ofereci para o trabalho. Disse que poderia montar a equipe e contratar os seguranças — tudo por um valor muito abaixo do mercado. Assustados, perguntaram o porquê do preço tão baixo. Respondi:

Sou católico, sou devoto. Meu trabalho é por fé, não por dinheiro. Só quero garantir o pagamento dos contratados. O resto, deixem comigo.

Assim aconteceu. Durante o evento, um longo corredor levava os artistas até o palco. Em determinado momento, encontrei o Sr. Monteiro, sozinho, caminhando calmamente por aquele corredor.

Foi ali, naquele instante fugaz, que resolvi contar-lhe a história que havia guardado por tantos anos: a do menino de 12 anos, sem livro, sem bicicleta, mas cheio de sonhos, que ele havia ajudado com um simples bilhete e um enorme coração.

Ele ouviu com atenção, ficou visivelmente emocionado — os olhos marejaram. Em seguida, algumas pessoas se aproximaram dele. Eu, como fiel invisível que era, afastei-me discretamente. Mas ele fez questão de me chamar e disse, com firmeza e carinho:

Este aqui é um filho meu.

Naquele momento, percebi que algumas histórias de gratidão não precisam de recibo.

Porque a verdadeira recompensa vem no olhar, no gesto e na memória de quem nunca esqueceu o bem que recebeu.

Hoje, décadas depois, sou Policial Militar, Diretor de escola, fui Vereador (incrível, quem diria), tenho uma linda família com quatro filhos e dez netos, sou alguém na vida. E tudo começou com um gesto simples de alguém que acreditou no poder da educação.

Já fiz esse agradecimento quando vereador em sessão na Câmara Municipal e gostaria de sempre ratificar, lembrar e agradecer (Gratidão sempre).

Obrigado, Sr. Monteiro Filho. Obrigado por transformar vidas — como fez a REDE VIDA.