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Tempo

rogerio-ferreira-da-silva - 3 de abril de 2022

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A poetiza Adélia Prado escreveu um texto que me identifico e que diz mais ou menos assim: Quando eu era pequeno eu não entendia o choro solto da minha mãe, às vezes assistindo um filme, ouvindo uma música, lendo um livro. O que eu não sabia, é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu na minha meninice era incapaz de compreender. O tempo passou e hoje eu me emociono diante das mesmas coisas, tocado pelos pequenos milagres do cotidiano. A nossa memória é contrária ao tempo e, enquanto o tempo leva a vida embora como o vento, a memória trás de volta o que realmente importa, eternizando momentos. Crianças tem o tempo ao seu favor e a memória é muito recente. Para elas um filme é só um filme, uma melodia é só uma melodia. Elas ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade. Diante do tempo nós envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente vai embora. Porém, para a memória, ainda somos jovens, somos atletas, somos aqueles amantes insaciáveis, nossos filhos são crianças, nossos amigos estão por perto, nossos pais ainda vivem. Quanto mais vivemos, mais eternidade criamos dentro da gente. Quando nos damos conta nossos baús secretos (porque a memória é dada a segredos) estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo. A capacidade de se emocionar vem daí. Quando nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira, um dia você liga o rádio do carro e de repente pá, toca uma música. Ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você em algum momento, foi o fundo musical de um amor, a trilha sonora de uma fossa, e mesmo que tenha se passado anos, a sua memória afetiva não obedece a calendários, não caminha com as estações do ano. Alguma parte de você volta com o tempo, lembra àquela pessoa, aquele momento, aquela época. Tempo, ah o tempo... Bom domingo.