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Um atropelamento que mudou o Direito

O Diário - 15 de junho de 2025

Um atropelamento que mudou o Direito

Carlos D. Crepaldi Junior. Advogado especialista em Gestão e Direito de TrânsitoEx-Conselheiro do CETRAN-SP . Diretor da ABATRAN

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A responsabilidade do Estado, objetiva, autônoma e voltada à proteção do cidadão, nem sempre foi assim. Houve um tempo em que o Estado, ao causar dano, nem sempre era responsabilizado.

O fator que mudou esse cenário de maneira decisiva foi, acredite se quiser, um acidente de trânsito. Em 1873, na França, uma menina de cinco anos foi atropelada por um carrinho de transporte pertencente a uma fábrica estatal de tabacos. O pai da criança acionou a Justiça para pedir indenização e a Justiça teve que decidir se o caso seguiria as regras do Código Civil ou do Direito Administrativo.

O Tribunal francês entendeu então que, quando o Estado causa dano no exercício de funções públicas, aplica-se um regime jurídico próprio. O julgamento, ocorrido em 8 de fevereiro de 1873 no Tribunal des Conflits no processo Blanco c/ Administration des Manufactures de Tabac, ficou conhecido como “caso Blanco”.

Sim, um acidente de trânsito foi o gatilho para o nascimento da responsabilidade objetiva do Estado. Foi o início da doutrina que, décadas depois, inspiraria o artigo 37, §6º da nossa Constituição.

O trânsito, por vezes ignorado como ramo do Direito, ajudou a moldar uma das garantias mais importantes que temos hoje como cidadãos, o dever do Estado de reparar os danos que causa.

No fim das contas, uma das bases do nosso Direito surgiu de um atropelamento. Um lembrete de que o trânsito está mais presente nas grandes construções jurídicas do que se imagina.