Verbos de ligação
O Diário - 28 de setembro de 2025

Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Mackenzie
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Qualidade e Variação
Na língua portuguesa é possível formular frases que não expressam uma ação, mas descrevem uma condição: “o dia está ensolarado”, “a criança permanece calma”. Nesses casos, o verbo não indica movimento nem transformação, mas conecta o sujeito a uma característica que o define. Esse recurso, embora muitas vezes despercebido, é fundamental para organizar o pensamento e transmitir informações com clareza. Para compreender melhor essa função, convém observar que os verbos de ligação cumprem dois papéis muito importantes: de um lado, estabelecem o estado ou qualidade do sujeito, de outro, variam de acordo com o contexto, podendo atuar ora como elo, ora assumindo valor de ação.
O primeiro aspecto a considerar é a função de atribuir ao sujeito uma condição ou qualidade. Em “a sala ficou silenciosa”, o verbo “ficar” não significa mudança de lugar, mas funciona como uma ponte entre o sujeito e o predicativo. Do mesmo modo, em “ela continua feliz”, o verbo “continuar” não expressa movimento, mas prolonga um estado. Esses usos tornam o discurso mais preciso, já que deixam evidente que se descreve uma característica, não uma ação. Convém destacar que os verbos de ligação podem expressar diferentes estados, como aparência, transitoriedade e permanência. Reconhecer essa função ajuda a diferenciar nuances e evita interpretações apressadas.
Outro ponto relevante é que um mesmo verbo pode desempenhar funções distintas conforme o contexto. Em “o aluno parece cansado”, o verbo “parecer” é de ligação, mas em “o aluno apareceu na sala”, ele indica ação de surgir. O mesmo ocorre com “andar”: em “ela anda preocupada”, liga sujeito e estado; em “ela anda pelo parque”, expressa deslocamento. Essa variação mostra que os verbos não carregam etiquetas fixas, mas se adaptam às necessidades comunicativas, como peças versáteis que se encaixam na engrenagem da língua. Dominar esse uso é, ao mesmo tempo, instrumento prático de clareza e prova da vitalidade de um idioma que se reinventa a cada frase.
Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.